quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Aspirador do Futuro-Super Interessante

Robô , ás suas ordens...

Em um futuro próximo, as casas terão robôs para fazer os serviços mais encardidos. Por enquanto, eles não reclamam.

por Heitor Shimizu

Robô: você ainda vai ter um. E, ao que tudo indica, não vai demorar muito. Até agora restritas aos principais centros de pesquisa do mundo, ou em linhas de montagem, as criaturas mecânicas começam a mostrar a cara na casa de pessoas comuns. Não chegam aos pés (rodas?) de Rosie, a governanta-robô do desenho Os Jetsons, mas são eletrodomésticos turbinados – executam, quieta e eficientemente, tarefas cansativas ou monótonas para os humanos. Ou simplesmente entretêm seus donos.
Alguns exemplos. No Japão, milhares de pessoas já compraram o Aibo, o cão-robô da Sony, cujos entusiastas montaram até clubes para encontros dos “bichinhos”. Sua mais nova versão tem a aparência de um buldogue, abana o rabo de alegria e abaixa as orelhas quando triste. Atende a 75 comandos de voz do seu dono, entre eles o de tirar fotos digitais.
Embalada pelo sucesso do Aibo, a empresa apresentou, em março de 2002, o SDR-4X. SDR quer dizer Sony Dream Robot, ou “robô dos sonhos da Sony” na sigla em inglês. Com 58 cm de altura, ele tem forma humanóide, com cabeça, braços, pernas e cinco dedos em cada mão. Anda sem bater nos objetos à frente, mesmo em superfícies levemente irregulares. Ao cair, é capaz de levantar. Reconhece dez rostos e vozes diferentes. Pode ser treinado para aprender novas palavras e movimentos – alguns deles complexos, como dançar ou chutar bola, ainda que o japonesinho autômato esteja longe de ser um fenômeno futebolístico.
Na Alemanha, o Instituto Fraunhofer de Engenharia e Automação lançou a segunda geração do Care-O-Bot, cuja função é auxiliar idosos e doentes. O robô avisa a hora certa de tomar remédios, muda os canais da televisão, ajuda os usuários a se deslocar pela casa e serve de companhia, pois está programado para bater papo.
Os americanos começam a empregar autômatos para ajudá-los nos serviços domésticos. O Auto Mower, da Husqvarna, e o RL800, da Friendly Robotics, dão conta da tarefa de cortar grama. O RL800 apara até 500 m2 de gramado em apenas duas horas, movimentando-se em todas as direções e evitando obstáculos pelo caminho. Outro exemplo notável é o Roomba, da iRobot, que anda pela casa varrendo e aspirando o pó do chão e do tapete. Ainda é bem mais lento que um faxineiro de carne e osso. Apesar disso, seus idealizadores acreditam no seu potencial para a limpeza de assoalhos, negócio de 50 bilhões de dólares por ano apenas nos Estados Unidos.
Os autômatos domésticos são a sensação do momento, mas a maior “densidade populacional” de robôs ainda se encontra nas indústrias. Há mais de 1 milhão deles espalhados em fábricas de todo o planeta, segundo a Federação Internacional de Robótica. São robôs de uso específico: desempenham uma única função, mas o fazem sem parar e com perfeição. São ótimos para tarefas que envolvam repetição, precisão ou perigo.
Apesar de impressionantes, aspiradores de pó ou brinquedos não faziam parte do cenário que se imaginava para a inteligência artificial em pleno século XXI. A idéia era ter por aí criaturas como o R2-D2 ou o C-3PO de Guerra nas Estrelas, o andróide de Exterminador do Futuro, ou David, o carente menino-robô de Inteligência Artificial. Tais máquinas inteligentes, entretanto, pertencem ainda apenas à ficção. O cenário pode mudar logo, se depender das principais pesquisas hoje em andamento.
Xadrez e piadas
O conceito de robôs é antigo. Há mais de 2 500 anos, filósofos gregos imaginaram criaturas artificiais que serviriam como escravos. Não por coincidência, o escritor Karol Capek chamou de robota (escravo, em checo) os servos mecânicos da sua peça R.U.R. (Robôs Universais de Rossum), de 1921, que deu origem ao termo.
A partir da década de 20, os robôs eram vistos no cinema e na literatura de forma invariavelmente caricatural. Trinta anos depois, a imagem mudou, principalmente após a célebre conferência de 1956 na Universidade de Dartmouth, nos Estados Unidos.
Entre os pioneiros estavam John McCarthy (que cunhou o termo “inteligência artificial”) e Marvin Minsky. Em seguida, os dois fundariam o famoso Laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
Filmes e livros com máquinas inteligentes se tornaram extremamente populares até o final da década de 60, quando surgiu 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick e Arthur Clarke, provavelmente o melhor deles. A partir da década seguinte, o gênero se esvaziou. Em parte pelo excesso anterior, mas principalmente pelos resultados obtidos nos laboratórios. Nada de robôs que pensassem, falassem ou mesmo que andassem direito.
“As pessoas superestimaram a capacidade da inteligência artificial”, diz Steve Minton, diretor da Fundação para o Acesso da Inteligência Artificial e sócio da Fetch Technologies. “A inteligência artificial não foi tão bem-sucedida quanto as pessoas esperavam. Um dos principais motivos é que a ciência não conseguia entender corretamente como a inteligência funciona”, diz John Weng, professor da Universidade de Michigan.
A idéia da inteligência artificial, a princípio, era tentar replicar em uma máquina todas as variáveis que pudessem advir da mente humana. Algo impossível, como se sabe hoje. Pegue o xadrez, por exemplo. Os cientistas acreditavam que seria possível construir uma máquina capaz de vencer o melhor enxadrista do mundo. Em 1997, isso foi conseguido, quando o Deep Blue, da IBM, derrotou o campeão mundial, o russo Garry Kasparov.
Apesar de ter surpreendido o mundo, o feito do Deep Blue pouco acrescentou à ciência. Não era uma demonstração de inteligência, mas sim de força bruta. Ou seja, montou-se uma máquina poderosa o bastante para realizar a quantidade de cálculos matemáticos necessários para bater Kasparov no tabuleiro. O que os especialistas em inteligência artificial aprenderam a duras penas é que tarefas que parecem difíceis – como jogar xadrez ou apertar parafusos 24 horas por dia – são, na realidade, fáceis para uma máquina. Coisas que achamos simples, como contar uma piada, são as mais complexas.
“Em muitos aspectos, nossas fun-ções mais inteligentes são as que fazemos inconscientemente. Andar ou correr, por exemplo, são difíceis para um robô, mas fáceis para nós, pois nossos corpos fazem isso sem que precisemos pensar muito sobre o assunto”, diz Minton.
Mais hábil que o homem
As abordagens da inteligência artificial e da robótica não tentam mais copiar a inteligência humana, ou construir robôs que sejam a exata réplica de seus donos. Para poder progredir, os cientistas deram passos para trás. Voltaram ao básico, na tentativa de entender como os seres vivos se comportam e se reproduzem, ou como o homem pensa e se emociona. Com isso, passaram a desenvolver sistemas com características próprias. O resultado é um avanço inédito.
Tome, por exemplo, a habilidade, algo que os autômatos nunca tiveram. Um robô industrial pode executar com extrema precisão determinados movimentos, mas tente fazer com que ele realize outro e o resultado será um desastre. Quem arriscaria, por exemplo, apertar a mão de um robô especializado em dobrar chapas de aço?
A agência espacial americana Nasa está resolvendo o problema. Seus cientistas desenvolveram o robô de maior destreza manual até o momento. Apelidado de Robonauta, ele tem a aparência do personagem Boba Fett, da série Guerra nas Estrelas – segundo seus criadores, na realidade a idéia era lembrar um gladiador romano.
Aparência à parte, ele impressiona sob todos os aspectos. Cada mão tem um total de 14 articulações com motor próprio, conjunto de sensores e controladores eletrônicos. O Robonauta tem sensores térmicos, de posicionamento, tácteis, de força e de torque – são 150 sensores em cada braço, que mede 20 cm de comprimento por 8 cm de diâmetro.
O Robonauta está se aproximando da habilidade de uma pessoa comum e já superou em muitos aspectos a conseguida por alguém com roupa de astronauta. Esse é seu objetivo: substituir o homem em missões espaciais arriscadas, como no reparo da Estação Espacial Internacional (ISS). É o que afirma Ron Diftler, um dos chefes do projeto tocado pelo Laboratório de Robótica do Centro Espacial Johnson, da Nasa. “O trabalho no espaço é muito difícil devido a fatores como o vácuo, a exposição à radiação e as diferenças de temperatura. O Robonauta foi projetado para funcionar em tais rigores, como em temperaturas que variem de 50ºC negativos a 100ºC. Nós também usamos componentes eletrônicos resistentes a enormes quantidades de radiação”, diz Diftler.
Diftler explica que a opção por uma figura antropomórfica se deve ao fato de a ISS ter sido projetada para que astronautas em trajes espaciais fizessem os reparos. O robô também deveria ser capaz de utilizar as ferramentas e os mecanismos existentes. “Mas não nos limitamos a fazer com que ele executasse as funções de um astronauta. O Robonauta pode realizar, no espaço, movimentos que superam a habilidade humana, o que certamente se mostrará importante, tanto na ISS quanto em futuras missões planetárias”, diz.
Como é tradição da Nasa, as conquistas obtidas com o Robonauta não ficarão restritas ao espaço. Diftler afirma que a agência está em conversações com empresas para explorar a tecnologia do Robonauta. Cita o uso de próteses que ajudem a vida de amputados como exemplo.
Baixinho invocado
Da mesma forma que a Nasa, a Honda vislumbra utilizações práticas para suas pesquisas em robótica. O mais célebre robô criado pela empresa, o Asimo, consegue andar como nenhum outro. Dotado de pernas extremamente ágeis para uma máquina: sua última versão chega a descer e a subir escadas. A empresa pretende utilizar a tecnologia do Asimo em sistemas que auxiliem a movimentação de idosos ou deficientes físicos.
Quem quer ter uma idéia das possibilidades da robótica e da inteligência artificial não pode deixar de olhar para o Japão. Segundo o site especializado Androidworld (www.androi dworld. com), dos 50 principais projetos em robótica no mundo, 26 estão no Japão, contra sete nos Estados Unidos. Ao contrário de projetos americanos e europeus, os japoneses não acontecem apenas em centros de pesquisas ou em universidades, mas também em empresas. Os maiores conglomerados industriais do Japão vêem nos robôs um enorme potencial comercial e de exportação.
Um dos maiores especialistas do país em robótica é Hiroaki Kitano, que lidera um grupo de pesquisas financiado pelo governo japonês com o seu próprio nome, o Projeto Kitano de Sistemas Simbióticos. Kitano e equipe desenvolveram o Pino, considerado um dos mais avançados robôs já construídos. Chamado de “robô-bebê”, o pequeno Pino, de apenas 75 cm de altura, tem 29 motores e demonstra impressionante agilidade. Dobra os braços, os joelhos e chuta uma bola. Virou celebridade entre os japoneses ao aparecer em um vídeo da cantora Hikaru Utada, uma das mais populares do país.
Kitano trabalha agora para fazer com que o Pino obedeça a comandos de voz e reconheça seu dono. Outra meta, mais ambiciosa, é dotá-lo da capacidade de aprender. Pino faz parte do atual objeto de pesquisa de Kitano, a biologia de sistemas, um novo campo que mistura biologia molecular, ciência da computação, engenharia e diversas tecnologias. O objetivo é entender o comportamento de sistemas biológicos a ponto de poder criar sistemas artificiais análogos.
Análogos, mas não similares. “Não espere máquinas humanóides”, diz Kitano, referindo-se não apenas ao seu projeto, mas à robótica de forma geral. “É muito mais provável que tenhamos um grande número de robôs com propósitos específicos, que façam algo que os humanos não queiram ou não consigam fazer.”
No Laboratório de Inteligência Artificial (AI Lab) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a equipe dirigida por Rodney Brooks (leia entrevista na página 28) também estuda maneiras de dotar máquinas com a capacidade de aprender e pensar. Mas os projetos não param por aí. Brooks e equipe querem fazer robôs que tenham sentimentos, de forma a poder se relacionar com os seres humanos.
Uma das mais notáveis conquistas do AI Lab é o Kismet, simpático robô que responde a estímulos das pessoas que estão à sua frente. Se alguém ficar bravo, Kismet se entristece. Se a pessoa sorrir, Kismet se alegra.
Máquinas que aprendem também é o objetivo de John Weng, professor da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos. Weng desenvolveu dois robôs que aprendem a partir de experiências. Chamados SAIL e Dav, eles andam pelo campus da universidade respondendo aos mais variados estímulos externos.
Weng está conseguindo resultados inéditos com uma abordagem original, que subverte a inteligência artificial tradicional. Ele utiliza o que chama de “desenvolvimento mental autônomo”, AMD na sigla em inglês, para produzir robôs que não sejam pré-programados. “O AMD permite que os robôs desenvolvam suas habilidades mentais para executar tarefas desafiadoras, por meio de interações em tempo real com o ambiente, muito similar à maneira com que um bebê se desenvolve mentalmente. O robô não precisa saber o que ele irá aprender, da mesma forma que o bebê não sabe o que fará quando crescer”, diz o cientista.
Robôs que andam, dançam, brincam, aprendem e sentem. Quer mais? Que tal robôs que se reproduzem? Jordan Pollack, professor da Universidade de Brandeis, também nos Estados Unidos, desenvolveu um programa de computador que é um dos mais notáveis exemplos de evolução artificial. O programa faz com que uma população inicial de criaturas mecânicas simples dê origem a “crias” cada vez mais complexas na forma de projetos de robôs que podem ser construídos.
Centenas de gerações de robôs são geradas sem uma única interferência de Pollack. “Como formas biológicas, cujas estruturas e funções exploram os comportamentos derivados de seus próprios meios químicos e mecânicos, nossas criaturas evolutivas se baseiam na natureza do seu próprio meio: plástico, metais, motores e neurônios artificiais”, diz.
Muito bem. Agora, só falta os robôs dominarem o mundo, não é mesmo? Tal idéia seria vista como brincadeira há muito pouco tempo. Não é mais. Especialistas como Hans Moravec, da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, acreditam que robôs inteligentes serão muito comuns em menos de 50 anos. O cientista, escritor e inventor Ray Kurzweil, perito em inteligência artificial, vai mais longe. Para ele, em cerca de 30 anos os computadores superarão a capacidade do cérebro humano e, por volta do ano 3000, será difícil distinguir homens de máquinas (leia entrevista na página 6).
Perspectivas assim são vistas com temor por alguns, como Bill Joy, fundador da Sun Microsystems, a empresa que criou a linguagem Java. Para Joy, robôs capazes de raciocinar representam uma ameaça real e podem fazer com que o homem se torne uma “espécie em extinção”. Joy traça um paralelo com a invenção das armas atômicas para enfatizar o perigo de dotar máquinas com inteligência.
Steve Minton não concorda com Joy. “Não vejo um único motivo pelo qual devemos temer o desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial”, diz. “Temos problemas muito maiores com que nos preocupar, como o aquecimento global ou as armas de destruição em massa. Para desenvolver máquinas inteligentes é preciso que não nos destruamos antes.”
Hiroaki Kitano tem a mesma opinião, mas faz uma ressalva. “Não vejo a menor chance de que um robô machuque intencionalmente uma pessoa, a menos que ele tenha sido projetado com tal função.” Se ele estiver certo, é de esperar que os projetistas presentes e futuros sejam dotados de bom senso. Porque isso, pelo menos por enquanto, não se pode esperar dos robôs.

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